Activistas angolanos apelaram hoje à recontagem dos votos e à não validação dos resultados das eleições de 24 de Agosto pelo Tribunal Constitucional (sucursal do MPLA), anunciando manifestações “ininterruptas” caso não sejam atendidas as suas reivindicações.
Activistas das associações que integram o Movimento pela Verdade Eleitoral (Mover) apontaram várias irregularidades no processo de preparação das eleições gerais angolanas e na votação e exortaram os deputados a não tomar posse, para não serem declarados “traidores da vontade colectiva”.
Num manifesto hoje apresentado em Luanda instam a Comissão Nacional Eleitoral (CNE/MPLA) e o Tribunal Constitucional (TC/MPLA), nas vestes de Tribunal Eleitoral, “para que aceitem a vontade colectiva de recontagem dos votos e comparação das actas sínteses em posse de todas as entidades públicas e partidárias” e pedem ao plenário do TC que não valide os resultados eleitorais sem antes atender a este pedido.
Se assim procederam, aceitam “assumir todos os riscos possíveis que advierem dessa inconsequente decisão”, refere o documento, que acrescenta que os deputados resultantes dessas eleições não deve aceitem tomar posse “sob pena de terem de ser declarados traidores da vontade colectiva”, arcando com todas as consequências que “hão-de advir dessa traição à Pátria”, tal como o TC e os comissários da CNE.
O manifesto pede ainda que se indique o embaixador dos Estados Unidos da América para “velar pela veracidade dos resultados eleitorais” e diz que será convocada uma onda de manifestações, caso estas pretensões não sejam atendidas em 72 horas, apelando às forças de segurança que se façam presentes apenas para assegurar o trajecto.
Em declarações aos jornalistas, Joaquim Manuel diz que se trata de uma posição enérgica: “Não podemos admitir que MPLA [partido do poder há 47 anos] continue a governar o país da forma que bem entende”.
Quanto aos deputados, sublinhou que se os resultados são fraudulentos, a sua tomada de posse significa legitimar fraude. “Caso a CNE insista em apresentar esses resultados, há pessoas que nos transmitiram que não vão tomar posse”, disse o activista.
Branco Ngola, outro dos activistas presentes, sublinhou que estas pessoas “são favoráveis à resistência”.
“Estamos cansados de vários pleitos eleitorais, temos de tomar posições, mas que não são extremas. As nossas manifestações são pacíficas, não somos um grupo de radicais e vamos lutar dentro dos marcos legais”, disse, salientando que o movimento “não defende partidos”, e acrescentando que o que se espera é que o vencedor “ganhe com mérito”.
Joaquim Manuel reforçou que esta é uma situação que exige da elite política “máxima maturidade” e ética política: “Não podemos reivindicar resultados eleitorais quando posteriormente depois se disponibilizam a tomar posse no parlamento e defraudar o povo”.
Questionados sobre se as manifestações não poderão representar um risco face ao estado de prontidão combativa elevada das Forças Armadas Angolanas, Joaquim Manuel defendeu que “a manifestação não representa ameaça”, já que o povo só quer que a expressão do voto depositado nas urnas seja válida”.
“A instabilidade e insegurança públicas estão a ser protagonizadas de forma institucional, são as instituições públicas que estão a ser instrumentalizadas por quem está no poder para perigar a segurança pública. Nós não nos fazemos acompanhar de nenhum objecto bélico que faça perigar a segurança”, realçou.
Branco Ngola complementou que “há várias formas de manifestações” e que os activistas desenvolvem todos os meios para manifestar o desagrado.
“O movimento de luta deve ser de forma pacífica, nós vamos usar todos os mecanismos para repor a legalidade, mas são meios pacíficos, nós só lutamos pela verdade eleitoral não achamos que vamos causar algum perigo. Por isso não entendemos porque é que as forças de segurança vão ficar nas ruas, do nosso lado não há intenção de fazer perigar a República”, frisou.
Já Pembele Pacavira, também activista social, questionou o porquê de as forças de segurança estarem nas ruas já que o país não está em estado de emergência: “Penso que é apenas uma forma de o Governo intimidar todos os que queiram manifestar o seu descontentamento”, adiantou.
O manifesto, subscrito por 43 associações cívicas e outros grupos da sociedade civil, aponta irregularidades no processo de preparação das eleições, entre as quais presença de mortos no ficheiro de eleitores, tratamento desigual dos partidos pela imprensa pública e corrupção eleitoral levada a cabo por partidos que ofereceram bens diversos para influenciar os eleitores.
Refere ainda que as eleições “não foram transparentes, nem tão pouco justas”, apontando aspectos como a não afixação das listas e eleitores, não publicação das atas síntese em muitas assembleias de voto (por exemplo, no consulado de Lisboa) e por parte da CNE e uso abusivo de força com detenções ilegais e torturas a vários cidadãos em várias províncias, situações que continuam a registar-se.
Haverá diferenças para descobrir?
11 de Novembro de 2015. O presidente angolano recusou críticas de corrupção sublinhando que “na política não vale tudo”. Para José Eduardo Santos deve-se, também, dar oportunidades à juventude. Descubramos as diferenças (se as “haver” dirá João Lourenço. Se as houver, dizemos nós).
Estas referências foram transmitidas na mensagem à nação sobre os 40 anos da independência de Angola, emitida a 11 de Novembro, pela rádio e televisão públicas, em que José Eduardo dos Santos apontou a necessidade de o país crescer a seis por cento ao ano para “acelerar a diversificação da economia e o crescimento do emprego”, e “reduzir significativamente a pobreza”.
Numa altura particularmente sensível em Angola, com sucessivas manifestações promovidas por jovens contestatários do regime, apelidados de “revús” – revolucionários -, como o grupo de 15 elementos detidos desde Junho (de 2015) por suspeita de prepararem uma rebelião no país, José Eduardo dos Santos reservou algum tempo dos quase 40 minutos de discurso para a juventude, que recordou ser dois terços (menos de 25 anos) da população.
“Sabemos que os jovens querem tudo resolvido de um dia para o outro. Assim foi em todas as gerações anteriores. Somos um país independente, respeitado e admirado por muitos por causa do bom trabalho do seu Povo, e da sua juventude em particular. Temos que continuar a transformar a energia e o dinamismo da juventude em alavanca para continuarmos a construção de uma Nação mais próspera, feliz e justa”, apontou.
Eduardo dos Santos enfatizou que a “Nação deve assumir como sendo seu dever trabalhar para garantir um futuro melhor à juventude” e que “deve fazer tudo” para oferecer aos jovens “cada vez mais oportunidades de crescimento pessoal e profissional”.
A movimentação dos jovens contestatários foi associada, na altura, até por membros do Governo angolano, a tentativas de ingerência estrangeira nos assuntos nacionais, através de alegados apoios a estes grupos.
Ainda assim, disse o então Presidente angolano, sem concretizar, “o egoísmo e o desrespeito das normas do direito internacional e particularmente a ingerência nos assuntos internos de outros Estados por países mais fortes são factores que geram instabilidade, tensão e conflitos armados com consequências políticas e sociais graves, pondo em risco a segurança internacional”.
Antes, José Eduardo dos Santos disse que a política actual é “feita por meios pacíficos e democráticos”, precisamente quando os activistas sob detenção desde Junho se preparavam para ser julgados, em Luanda, por actos preparatórios para uma rebelião e um atentado ao Presidente.
“Na política não vale tudo. Ela pressupõe o respeito pelo próximo, pelos princípios éticos, morais e cívicos. Felizmente, na luta política pacífica e democrática surgiu uma Constituição moderna ajustada à nossa realidade e que indica como devemos organizar o Estado, a sociedade e a economia”, avisou, sem nunca se referir a qualquer caso concreto.
Numa altura em que surgiam críticas da comunidade internacional sobre o cumprimento dos direitos humanos em Angola e a alegada interferência política na Justiça, José Eduardo dos Santos fez questão de sublinhar que a Constituição define a “separação dos poderes e a interdependência de funções”.
“Consagra a independência dos tribunais e a legitimação do poder político através de eleições livres, periódicas e multipartidárias, baseadas no sufrágio universal, e consagra também o respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais”, apontou.
Retomando a necessidade de crescimento do país, o Presidente enfatizou que não é possível estruturar o sistema económico “sem a presença no mundo do capital e do trabalho de empresas e grupos económicos angolanos conscientes e fortes”, que “serão a garantia” da independência.
“Há quem pretenda confundir deliberadamente este exercício de promoção e defesa do interesse nacional com a promoção da corrupção para enfraquecer o nosso país, porque sabe que a acção contra a corrupção é conduzida por outros meios”, refutou.
A celebração dos então 40 anos de independência decorreram com um desfile civil e militar e um discurso do Presidente José Eduardo dos Santos, numa cerimónia a que assistem convidados estrangeiros, entre chefes de Estado e de governo e delegações estrangeiras.
Antes do discurso do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, falou o ministro do Interior e coordenador da comissão preparatória das comemorações da independência, Bornito de Sousa.
Aos discursos segue-se o ponto mais alto das cerimónias, com o desfile civil e militar, que contará com a participação de 10 mil pessoas.
O desfile cívico contou com blocos dos antigos combatentes e veteranos da pátria, infantis, administração pública, juventude e dos desportistas, cultura e comunicação social, educação, ensino superior, ciência e tecnologia, comércio, hotelaria e turismo, mercados e feiras, saúde e ambiente, indústria, transportes e comunicações, construção, urbanismo e habitação, agricultura, pescas, pecuária e florestas.
Logo a seguir, desfilam a Polícia Nacional, Exército, Força Aérea e Marinha de Guerra. Segundo o programa, José Eduardo dos Santos oferece em seguida aos chefes de Estado e de Governos e delegações estrangeiras um banquete oficial, para 3.000 convidados.
Pânico e delírio
Em Novembro de 2015, o ministro do Interior, Ângelo Veiga Tavares, entendia como “prudente” a detenção dos 15 activistas angolanos, para não permitir o desenvolvimento de planos apoiados por forças estrangeiras para a desestabilização do país, que previam “mortes”.
Ângelo Veiga Tavares, que falava no dia 4 de Novembro de 2015, em Luanda, em conferência de imprensa sobre o plano das comemorações dos 40 anos da independência, referia-se ao grupo dos 15 que estavam detidos desde Junho, acusados de prepararem uma rebelião e um atentado contra o Presidente da República.
Apontou, a título de exemplo, que o Governo convidou em 2014 uma cidadã europeia (italiana) a abandonar o país, porque esta se reunira com aquele grupo, supostamente dando indicações para que nas manifestações de contestação ao regime deveriam ser provocados confrontos com a polícia, gerando entre 20 a 25 mortos.
“Por isso é que em alguns casos, a polícia prefere não permitir que tais manifestações atinjam um nível de confronto para atingir esse fim. Portanto, essa cidadã europeia foi convidada a abandonar o país”, frisou.
Segundo o então ministro, também em alguns círculos diplomáticos, alguns cidadãos com esse estatuto instigavam esses jovens “e coincidentemente sempre na mesma perspectiva”.
“Haver confrontos para permitir – era o termo que utilizavam – a intervenção do ocidente e, por caricato que pareça, a cifra era sempre a mesma, entre 20 e 25 mortos”, acrescentou.
“Portanto, o que se estava a passar não era aquela habitual tentativa de simples manifestação, era coisa bem diferente, era coisa bastante ousada. Ou seja, no meu entendimento, havia sim alguém por trás a arregimentar e a aproveitar o estado de alma desses jovens para fins diferentes daqueles que estão mais desenvolvidos do ponto de vista democrático”, acusou o ministro.
Ainda sobre as investigações, Ângelo Veiga Tavares disse que em finais de 2013 transmitiu à UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, que alguns núcleos daquela força política estavam, naquela altura, a procurar localizar a casa dos ministros da Defesa e do Interior, do chefe do Serviço de Inteligência, do Comandante Geral da Polícia Nacional e do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas.
O então titular da pasta do Interior frisou ainda que havia também informações sobre a preparação de alguma desordem na capital angolana, com a ocupação de novas centralidades habitacionais, a destruição de viaturas e de multibancos.
“Nós, confrontados com esses dados que tínhamos do passado, com essa ingerência de fora, que perspectivava que se criasse condições de confronto e mortes para que houvesse intervenção do ocidente, achamos prudente ter algumas atitudes que permitissem cortar e não permitir o desenvolvimento de acções dessa natureza”, afirmou o ministro.
O ministro sublinhou que as autoridades angolanas não têm “o prazer de prender quem quer que seja”, realçando que o processo de paz em Angola ainda “não está totalmente consolidado”, por isso há necessidade de algumas cautelas na abordagem de certos assuntos.
Novamente sobre a ingerência externa nos assuntos de Angola, e sem concretizar (acusar sem provar está no ADN do regime), Ângelo Veiga Tavares frisou a necessidade de os angolanos preservarem “um ganho muito importante”, que foi terem conseguido alcançar a paz “metendo de fora os estrangeiros”.
“Hoje, há a tentativa e o agrado do estrangeiro, porque estamos a abrir outra vez uma brecha para que esses estrangeiros venham determinar e voltar ao passado de desentendimento”, realçou.
Admitindo “problemas por resolver” no país, sublinhou que o tempo é dos políticos resolverem internamente.
“Porque há uma tendência muito grande de dar espaços muito bem desejados por alguns estrangeiros, para desvirtuarem e criarem situações de muitas dificuldades, que podem ser muito graves e trazer-nos consequências muito perigosas”, concluiu.
Ângelo Veiga Tavares foi, apesar de tudo, modesto no enquadramento. Esqueceu-se de dizer que foi descoberto em poder dos jovens diverso material bélico, altamente letal, a saber: 12 esferográficas BIC (azuis), um lápis de carvão (vermelho), três blocos de papel (brancos) e um livro sobre como derrubar de forma pacífica as ditaduras.
Sabe-se, igualmente, que a Polícia Nacional do regime descobriu que os jovens activistas tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos. São, reconheça-se, provas mais do que suficientes para provar que estavam a preparar um golpe de Estado.
Folha 8 com Lusa
Nota: Título inspirado na canção “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso